Antraz (Carbúnculo)

O antraz é uma zoonose infecciosa aguda causada pela bactéria Bacillus anthracis. Embora raro, é uma doença grave e potencialmente fatal, especialmente nas formas inalatória e gastrointestinal. Pode ocorrer de forma cutânea, pulmonar, digestiva ou meníngea, dependendo da via de exposição aos esporos da bactéria. O antraz ganhou notoriedade como agente de bioterrorismo devido à sua elevada letalidade quando inalado e à capacidade de formar esporos extremamente resistentes no ambiente.

Agente Etiológico

Bacillus anthracis

O Bacillus anthracis é um coco-bacilo Gram-positivo, aeróbico, formador de esporos e encapsulado. A cápsula de polipeptídeo e a toxina antráxica (composta por três proteínas: fator letal, fator do edema e antígeno protetor) são os principais determinantes de virulência. Os esporos são altamente resistentes e podem sobreviver por décadas no solo contaminado.

Epidemiologia

O antraz é mais comum em regiões com práticas agropecuárias precárias, onde o solo é contaminado com esporos da bactéria. Afeta principalmente herbívoros (bovinos, ovinos, caprinos) e ocasionalmente humanos que manipulam animais ou produtos contaminados.

  • Distribuição mundial: África Subsaariana, Ásia Central, América do Sul e partes do Oriente Médio
  • No Brasil: Casos humanos são raros, mas ocorrem surtos esporádicos em áreas rurais, especialmente no Norte e Nordeste
  • Transmissão humana: contato com esporos por via cutânea (mais comum), inalatória, digestiva ou inoculação acidental em laboratórios
  • Mortalidade:
    • Cutânea tratada: <1%
    • Inalatória ou meníngea: até 85% se não tratada

Perfil típico: Trabalhadores rurais, curtidores de couro, manipuladores de lã ou peles de animais, veterinários, trabalhadores de laboratório

Principais Reservatórios

  • Animais herbívoros infectados (bovinos, ovinos, caprinos, cavalos)
  • Solo contaminado com esporos (especialmente em locais de morte de animais não incinerados)
  • Produtos de origem animal contaminados (lã, couro, carne mal cozida)

Transmissão para humanos:

  • Cutânea: contato direto com pele ferida ou mucosas e esporos
  • Inalatória: inalação de esporos em ambientes contaminados (ex: lã, feno)
  • Gastrointestinal: ingestão de carne mal cozida de animal infectado
  • Inoculação acidental: em laboratórios ou bioterrorismo

Ciclo de Vida

No ambiente, o Bacillus anthracis existe como esporo. Quando ingerido ou inalado por animais, os esporos germinam no organismo e se transformam em formas vegetativas que se multiplicam rapidamente e produzem toxinas. Após a morte do hospedeiro, se exposto ao oxigênio, o bacilo esporula novamente, reiniciando o ciclo.

Quadro Clínico

O antraz pode se apresentar em quatro formas clínicas principais: cutânea, inalatória, gastrointestinal e meníngea. Cada uma tem apresentação e gravidade distintas, sendo a forma cutânea a mais comum e a inalatória/meníngea, as mais letais.

Surge após contato da pele lesionada com esporos. A bactéria invade a derme, formando uma pápula indolor que evolui para vesícula e depois uma úlcera com crosta escura (“carbúnculo”).

Sinais e sintomas:

  • Pápula pruriginosa → vesícula → úlcera central necrótica (“eschar”)
  • Edema local e linfadenopatia regional
  • Lesão indolor, mas com edema acentuado
  • Febre baixa, mal-estar (em casos mais extensos)

Inalação de esporos, que germinam nos linfonodos mediastinais. Evolui com mediastinite hemorrágica e insuficiência respiratória.

Sinais e sintomas:

  • Febre, mal-estar, tosse seca
  • Dispneia progressiva, dor torácica
  • Sudorese intensa
  • Edema mediastinal (em imagem)
  • Hipoxemia e choque
  • Hemorragia pulmonar e morte em 1–2 dias se não tratado

Resulta da ingestão de carne mal cozida de animal infectado. Leva à ulceração do trato digestivo com sepse.

Sinais e sintomas:

  • Náuseas, vômitos, dor abdominal intensa
  • Diarreia com ou sem sangue
  • Febre alta
  • Ascite hemorrágica (em casos graves)
  • Sepse e falência de múltiplos órgãos

Ocorre como complicação da forma inalatória, cutânea ou gastrointestinal. A evolução é fulminante.

Sinais e sintomas:

  • Cefaleia intensa
  • Vômitos, rigidez de nuca
  • Rebaixamento do nível de consciência
  • Convulsões
  • Hemorragia subaracnoidea
  • Mortalidade altíssima (>90%)

A infecção começa com a germinação dos esporos no tecido hospedeiro, formando bacilos vegetativos que liberam toxinas letais. As toxinas provocam necrose tecidual, edema e choque. A cápsula evita fagocitose. A forma cutânea se restringe à pele; a inalatória leva à mediastinite hemorrágica; a gastrointestinal provoca úlceras intestinais e a meníngea causa inflamação severa das meninges com hemorragia.

Diagnóstico

A confirmação laboratorial depende da identificação direta da bactéria ou de testes moleculares. A suspeita clínica, especialmente em contextos de risco ocupacional, é fundamental.

Métodos diagnósticos:

  • Cultura de secreções, sangue ou LCR
    • Meio de ágar sangue
    • Rápida positividade em 24–48h
  • Coloração de Gram: bacilos Gram-positivos grandes em cadeia
  • PCR: sensível e rápida (usada em suspeitas de bioterrorismo)
  • Sorologia: útil em investigações retrospectivas
  • Hemograma: leucocitose importante
  • Imagem (forma inalatória): alargamento mediastinal e derrame pleural

Conduta diante de suspeita:

  • Notificação imediata
  • Início de antibióticos sem aguardar confirmação
  • Isolamento respiratório e medidas de biossegurança

Acompanhamento

A maioria dos casos cutâneos não complicados pode ser acompanhada ambulatorialmente, com antibióticos orais. Formas sistêmicas exigem internação imediata, muitas vezes em UTI, com suporte hemodinâmico e respiratório. Monitoramento rigoroso da função renal, hepática, coagulograma e vigilância para sepse são fundamentais.

Tratamento

O tratamento precoce com antibióticos é crucial. Formas graves exigem associação de antimicrobianos parenterais e, quando possível, uso de antitoxinas específicas.

Antibioticoterapia:

Ciprofloxacino  400 mg EV de 8/8 horas;

  • Associar com: Meropeném  2 g EV de 8/8 horas;
  • Associar com: Linezolida  600 mg EV de 12/12 horas.

Tratamento venoso por 2-3 semanas ou até estabilidade clínica, após: Ciprofloxacino  500 mg VO de 12/12 horas OU Doxiciclina  100 mg VO de 12/12 horas até completar 2 meses de tratamento;

Associar com tratamento adjuvante, escolha uma das opções:

    • Raxibacumab (anticorpo monoclonal): 40 mg/kg EV (diluído em SF 0,9% ou 0,45%) em dose única, infundir em 2 horas. Administrar anti-histamínico antes da infusão da droga;
    • Imunoglobulina contra Antrax (Anthrasil – 60 unidades/frasco): 7 frascos EV infundido em 0,5 mL/minuto (máximo: 2 mL/minuto).

Alternativas ao Ciprofloxacino  400 mg EV de 8/8 horas, escolha uma das opções:

Levofloxacino  750 mg EV de 24/24 horas

Moxifloxacino  400 mg EV de 24/24 horas.

Alternativas ao Meropeném, escolha uma das opções: 

Imipeném 1 g EV de 6/6 horas; 

Penicilina G (para cepas sensíveis) 4 milhões de unidades EV de 4/4 horas; 

Ampicilina  3 g EV de 6/6 horas.

Alternativas a Linezolida  para meningite, escolha uma das opções:

Clindamicina  900 mg EV de 8/8 horas; 

Rifampicina  600 mg EV de 12/12 horas; 

Cloranfenicol  1 g EV de 6/6 ou de 8/8 horas;

Alternativas a Linezolida  ou Clindamicina  excluindo meningite, escolha uma das opções:

Doxiciclina  200 mg EV dose única, seguido de 100 mg EV de 12/12 horas; 

Rifampicina  600 mg EV de 12/12 horas.

Alternativas orais para completar o esquema de 60 dias, escolha uma das opções:

Levofloxacino  750 mg VO de 24/24 horas; 

Moxifloxacino  400 mg VO de 24/24 horas; 

Clindamicina  600 mg VO de 8/8 horas; 

Amoxicilina  (para cepas sensíveis a Penicilina) 1 g de 8/8 horas; 

Fenoximetilpenicilina Potássica (Penicilina V)  500 mg VO de 6/6 horas.

Antibioticoterapia: Opções:

Ciprofloxacino  400 mg EV de 8/8 horas;

  • Associar com: Clindamicina  900 mg EV de 8/8 horas; OU
  • Linezolida  600 mg EV de 12/12 horas.

Tratamento venoso por 2-3 semanas ou até estabilidade clínica, após: Ciprofloxacino  500 mg VO de 12/12 horas OU Doxiciclina  100 mg VO de 12/12 horas até completar 2 meses de tratamento;

  • Associar com tratamento adjuvante: Opções:
    • Raxibacumab (anticorpo monoclonal): 40 mg/kg EV (diluído em SF 0,9% ou 0,45%) em dose única. Administrar anti-histamínico antes da infusão da droga;
    • Imunoglobulina contra Antrax (Anthrasil – 60 unidades/frasco): 7 frascos EV infundido em 0,5 mL/minuto (máximo: 2 mL/minuto).

Observação:

  • Alternativas ao Ciprofloxacino  400 mg EV de 8/8 horas:
    • Levofloxacino  750 mg EV de 24/24 horas; OU
    • Moxifloxacino  400 mg EV de 24/24 horas.
  • Alternativas ao Meropeném: 
    • Imipeném 1 g EV de 6/6 horas; OU
    • Penicilina G (para cepas sensíveis) 4 milhões de unidades EV de 4/4 horas; OU
    • Ampicilina  3 g EV de 6/6 horas.
  • Alternativas a Linezolida  para meningite:
    • Clindamicina  900 mg EV de 8/8 horas; OU
    • Rifampicina  600 mg EV de 12/12 horas; OU
    • Cloranfenicol  1 g EV de 6/6 ou de 8/8 horas.
  • Alternativas a Linezolida  ou Clindamicina  excluindo meningite:
    • Doxiciclina  200 mg EV dose única, seguido de 100 mg EV de 12/12 horas; OU
    • Rifampicina  600 mg EV de 12/12 horas.
  • Alternativas orais para completar o esquema de 60 dias:
    • Levofloxacino  750 mg VO de 24/24 horas; OU
    • Moxifloxacino  400 mg VO de 24/24 horas; OU
    • Clindamicina  600 mg VO de 8/8 horas; OU
    • Amoxicilina  (para cepas sensíveis a Penicilina) 1 g de 8/8 horas; OU
    • Fenoximetilpenicilina Potássica (Penicilina V)  500 mg VO de 6/6 horas.

Seguimento

Pacientes tratados devem ser acompanhados por pelo menos 2 meses para monitorar recidivas ou complicações tardias. Pacientes com antraz pulmonar ou meníngeo devem ser mantidos sob vigilância neurológica e infecciosa intensiva. Em regiões endêmicas, a vacinação de animais e o controle de carcaças são essenciais para prevenir novos surtos.

📚 Referências Bibliográficas

  1. World Health Organization (WHO). Anthrax in Humans and Animals. 4th edition. 2008.
  2. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Anthrax – Information for Clinicians. https://www.cdc.gov/anthrax
  3. Inglesby TV et al. Anthrax as a Biological Weapon: Medical and Public Health Management. JAMA. 2002;287(17):2236–2252.
  4. Ministério da Saúde (Brasil). Vigilância e Controle do Antraz – Manual Técnico. 2020.
  5. Dixon TC et al. Anthrax. N Engl J Med. 1999;341:815–826.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima