
Criptococose
A criptococose é uma micose sistêmica grave causada por fungos encapsulados do gênero Cryptococcus, que acomete principalmente pacientes imunossuprimidos, como portadores do HIV/Aids. É uma zoonose de importância crescente, principalmente em centros urbanos, e frequentemente se manifesta como meningoencefalite. O fungo está presente em excretas de aves, especialmente pombos, e pode permanecer viável por anos no ambiente. A infecção ocorre por inalação de esporos, sendo muitas vezes assintomática em indivíduos imunocompetentes, mas potencialmente fatal em imunodeprimidos.
Agente Etiológico

Cryptococcus neoformans
O principal agente é o fungo Cryptococcus neoformans, responsável pela maioria dos casos humanos, especialmente em pacientes com imunodeficiência. Outra espécie relevante é o Cryptococcus gattii, que tende a afetar pessoas imunocompetentes e está mais associado a regiões tropicais.
Ambas as espécies são fungos leveduriformes encapsulados, com cápsula polissacarídica que confere resistência à fagocitose e é uma das principais responsáveis pela virulência.
Epidemiologia
A criptococose é uma doença de distribuição mundial, com maior prevalência em regiões tropicais e subtropicais. No Brasil, representa uma das principais infecções oportunistas associadas ao HIV, sendo considerada uma infecção definidora de Aids.
- Incidência: Em países com alta prevalência de HIV, estima-se que 6% a 10% dos pacientes com Aids apresentem criptococose.
- Prevalência: Dados apontam para mais de 220 mil casos anuais no mundo, com alta carga na África Subsaariana e América Latina.
- Mortalidade: Pode chegar a 70% em países em desenvolvimento, especialmente nos casos de meningoencefalite não tratada.
- Morbidade: Elevada, devido à necessidade de internações prolongadas, complicações neurológicas e recidivas.
Perfil do paciente típico: Indivíduos com HIV não tratado ou com contagem de CD4 < 100 células/mm³, transplantados, pacientes com neoplasias hematológicas ou em uso prolongado de corticoides. Em áreas endêmicas de C. gattii, pode ocorrer em pessoas previamente saudáveis.
Principais Reservatórios
- Fezes de pombos (Columba livia): principal fonte ambiental de C. neoformans; os fungos podem permanecer viáveis por longos períodos em ninhos, telhados, forros e torres de igrejas.
- Árvores e madeira em decomposição, especialmente espécies como eucaliptos, associadas ao C. gattii.
A transmissão ocorre exclusivamente por inalação de leveduras ou basidiósporos dispersos no ar a partir desses reservatórios. Não há transmissão de pessoa para pessoa nem entre animais e pessoas diretamente.
Ciclo de Vida
O Cryptococcus possui um ciclo reprodutivo que inclui formas sexuadas (basidiósporos) e assexuadas (leveduras). No ambiente, vive na forma haploide e, após reprodução sexuada, forma esporos que são liberados no ar. Ao serem inalados, esses esporos atingem os alvéolos pulmonares, onde se transformam em leveduras encapsuladas e podem se disseminar pelo sangue, principalmente para o sistema nervoso central.
Quadro Clínico
A criptococose pode se apresentar de forma pulmonar, cutânea ou disseminada, sendo a meningoencefalite a manifestação mais grave e frequente. O início dos sintomas costuma ser insidioso e, em imunossuprimidos, pode ocorrer rápida progressão. A gravidade depende da carga fúngica, do estado imunológico e da resposta inflamatória do hospedeiro.
Forma Pulmonar (Criptococose Pulmonar) 🫁
A infecção geralmente se inicia nos pulmões após a inalação de esporos do fungo. Na maioria dos casos, indivíduos imunocompetentes desenvolvem uma resposta eficaz contra a infecção, podendo permanecer assintomáticos ou apresentar sintomas leves e autolimitados. Já em pacientes imunossuprimidos, a infecção pode evoluir para formas graves.

Os principais sintomas incluem:
- Tosse seca ou produtiva
- Dor torácica
- Febre baixa e persistente
- Dispneia (falta de ar)
- Fadiga e mal-estar geral
Em exames de imagem, a criptococose pulmonar pode se manifestar como nódulos pulmonares, infiltrações difusas ou lesões cavitárias, muitas vezes confundidas com tuberculose ou outras pneumonias.
Forma Neurológica (Meningoencefalite Criptocócica) 🧠
A meningoencefalite criptocócica é a forma mais grave e comum da doença, principalmente em pacientes com imunossupressão, como pessoas vivendo com HIV/AIDS, transplantados e indivíduos em tratamento com imunossupressores.

Os sintomas clássicos incluem:
- Cefaleia intensa e persistente
- Febre moderada a alta
- Rigidez de nuca (sinal de irritação meníngea)
- Alteração do nível de consciência (confusão mental, letargia, sonolência ou coma em casos avançados)
- Fotofobia (sensibilidade à luz)
- Náuseas e vômitos de origem neurológica
- Convulsões (em casos mais avançados ou em pacientes com hipertensão intracraniana)
A evolução da doença pode ser insidiosa, com sintomas leves no início, levando a um atraso no diagnóstico. Em alguns casos, a meningite criptocócica pode apresentar uma progressão rápida, resultando em complicações neurológicas graves e risco de morte se não tratada adequadamente.
Forma cutânea
Decorre geralmente de disseminação hematogênica, mas em raros casos pode ser primária por inoculação direta. Frequentemente é o primeiro sinal visível de doença sistêmica.
Sinais e sintomas:
- Lesões papulonodulares ou pustulosas
- Úlceras ou lesões com crostas
- Lesões que simulam molusco contagioso ou acne
- Localizadas em face, pescoço, tronco ou membros
Forma Disseminada (Criptococose Sistêmica) 🩸
Quando o fungo se espalha para outros órgãos além dos pulmões e do sistema nervoso central, a criptococose se torna sistêmica. Essa forma é mais comum em pacientes imunossuprimidos e pode afetar diversos tecidos, incluindo a pele, ossos, fígado e rins.

Os sintomas variam de acordo com os órgãos acometidos:
- Pele: Lesões nodulares ou ulcerativas, semelhantes ao molusco contagioso
- Ossos e articulações: Dor óssea, inflamação articular e destruição óssea em casos mais graves
- Fígado e rins: Insuficiência hepática ou renal em casos raros
Pacientes com criptococose disseminada podem apresentar um quadro de sepse fúngica, caracterizado por febre alta, hipotensão, alterações do estado mental e falência de múltiplos órgãos, exigindo tratamento intensivo imediato.
O fungo, ao ser inalado, se instala nos pulmões, onde pode permanecer latente. Em indivíduos imunossuprimidos, ocorre multiplicação descontrolada e invasão hematogênica, especialmente com tropismo pelo sistema nervoso central. A cápsula polissacarídica inibe a resposta imune, o que favorece a persistência da infecção.
Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se na combinação de achados clínicos, exames laboratoriais e de imagem. O exame do líquor é essencial em casos com sintomas neurológicos. A pesquisa de antígeno criptocócico revolucionou o diagnóstico, sendo um exame rápido e altamente sensível.
Métodos diagnósticos:
- Punção lombar (quando meningoencefalite é suspeita)
- Abertura com pressão elevada
- Líquido claro com linfocitose, hipoglicorraquia e aumento de proteínas
- Pesquisa de antígeno criptocócico no líquor (teste de látex ou ELISA)
- Tinta da China: visualização direta de leveduras encapsuladas
- Cultura em ágar Sabouraud (confirmação)
- Sorologia
- Detecção de antígeno criptocócico no soro (alta sensibilidade)
- Útil mesmo em pacientes sem sintomas neurológicos
- Exames de imagem
- TC ou RNM de crânio para excluir lesão expansiva antes da punção
- Radiografia ou TC de tórax para avaliação pulmonar
Conduta inicial:
Todo paciente HIV+ com sintomas neurológicos deve ser submetido à punção lombar com pesquisa de antígeno criptocócico. Nos casos com criptococose confirmada, avaliar extensão da doença com exames de imagem e hemoculturas.
Acompanhamento
Os pacientes com criptococose devem ser internados para tratamento inicial, monitoramento rigoroso da pressão intracraniana e início precoce da terapia antifúngica. O acompanhamento exige avaliações frequentes da função renal, hepática e dos níveis de eletrólitos, devido à toxicidade das drogas utilizadas. Nos pacientes com HIV, o início da terapia antirretroviral (TARV) deve ser postergado por 4 a 6 semanas para evitar síndrome inflamatória de reconstituição imune.
Tratamento
O tratamento da criptococose é feito em três fases: indução, consolidação e manutenção. A terapia inicial visa reduzir rapidamente a carga fúngica, seguida de tratamento prolongado para evitar recidivas. O manejo da hipertensão intracraniana é crucial na forma meníngea. Pacientes com HIV devem ter o início da TARV adiado para não agravar a inflamação.
Ambulatorial
O tratamento ambulatorial é destinado aos pacientes que possuem a forma leve da doença sem envolvimento do sistema nervoso central ou fungemia. A medicação de primeira linha é o Fluconazol e o tratamento deve durar de 6 a 12 meses.
1ª linha: Fluconazol 400 mg VO de 24/24 horas, por 6-12 meses;
Caso não seja possível iniciar o tratamento com Fluconazol por algum motivo, as seguintes opções podem ser usadas:
Itraconazol 200 mg VO de 12/12 horas, por 6-12 meses;
Voriconazol 200 mg VO de 12/12 horas, por 6-12 meses;
Posaconazol (comprimido liberação lenta) 300 mg VO de 12/12 horas por 2 doses, seguido de 300 mg/dia, por 6-12 meses;
Posaconazol 300 mg EV de 12/12 horas por 2 doses, seguido de 300 mg/dia, por 6-12 meses.
Hospitalar
O tratamento hospitalar é destinado para pacientes que possuem infecções graves disseminadas, meningite, soropositivos para HIV e transplantados. O esquema farmacológico segue 03 etapas:
- Terapia de Indução
- Terapia de Consolidação
- Terapia de Manutenção
Para Terapia de Indução: As medicações de primeira linha são a Anfotericina B e a Flucitosina em terapia combinada durante 2 a 6 meses.
As doses para pacientes SoroNegativos para HIV são:
Opções para Anfotericina B (I):
- 1ª escolha: Anfotericina B complexo lipídico 5 mg/kg/dia EV;
- Anfotericina B lipossomal 3 mg/kg/dia EV;
- Anfotericina B desoxicolato 0,7-1,0 mg/kg/dia EV.
Flucitosina (disponível no SUS) 100 mg/kg VO de 6/6 horas.
As doses para pacientes SoroPositivos para HIV são:
Opções para Anfotericina B (I):
- 1ª escolha: Anfotericina B lipossomal 3-5 mg/kg/dia EV;
- Anfotericina B complexo lipídico 5 mg/kg/dia EV;
- Anfotericina B desoxicolato 1,0 mg/kg/dia EV.
Flucitosina (disponível no SUS) 100 mg/kg VO de 6/6 horas.
Quando a Anfotericina B ou a Flucitosina não estiverem disponíveis, podemos trocar um deles pelo Fluconazol. No caso de paciente soronegativos para HIV com Fluconazol + Flucitosina, precisa ajustar a dose da Flucitosina para 25 mg/kg VO de 6/6 horas.
Fluconazol em dose alta (1.200 mg/dia).
Se apenas a Anfotericina B estiver disponível, pode fazer o tratamento em monoterapia de 4 a 6 meses. Ja no caso de ter apenas o Fluconazol disponível, pode fazer o tratamento em monoterapia da seguinte forma:
Fluconazolem dose alta (1.200-2.000 mg/dia), por 10-12 semanas, seguido de consolidação com 800 mg/dia.
Para Terapias de Consolidação e Manutenção: ambas são feitas com o uso de Fluconazol na seguinte posologia:
Consolidação
Fluconazol 400-800 mg (preferir 800 mg) VO de 24/24 horas, por pelo menos 8 semanas.
Manutenção
Fluconazol 200 mg VO de 24/24 horas, por pelo menos 12 meses:
- Considerar 400-800 mg VO de 24/24 horas, por 18 meses para criptococomas cerebrais;
- Pode-se estender esse período caso o paciente seja submetido a tratamento imunossupressor concomitante;
- Em casos de transplantados, considerar 200-400 mg/dia por 6-12 meses, pelo menos.
- Considerar a descontinuidade da terapia de manutenção se paciente assintomático com CD4 > 100 céls/mm3, com carga viral indetectável, sob uso de terapia antirretroviral (> 3 meses) e com terapia com azol por mais de 12 meses;
Tratamento Preemptivo e Profilaxia Secundária
O tratamento preemptivo é uma estratégia terapêutica utilizada em pacientes com risco elevado de desenvolver uma doença infecciosa, mesmo antes que os sintomas clínicos apareçam. No contexto da criptococose, ele é aplicado quando:
- O paciente não apresenta sintomas da doença (ou seja, está assintomático),
- Mas existe um marcador laboratorial positivo, como a detecção do antígeno criptocócico no sangue,
- E há um risco elevado de progressão para a doença ativa, especialmente se o paciente tem contagem de CD4 < 100 células/mm³ (no caso de pessoas vivendo com HIV).
Essa abordagem visa interromper o desenvolvimento da infecção antes que ela progrida para formas graves, como a meningoencefalite criptocócica. O tratamento preemptivo geralmente é feito com fluconazol em doses terapêuticas, sendo mais seguro e menos tóxico do que o tratamento das formas clínicas avançadas.
Fluconazol 1.200 mg/dia VO por 2 semanas, seguido de 800 mg/dia durante 8 semanas. Seguir com 200 mg/dia até o indivíduo recuperar a situação imunológica (contagem de linfócitos T-CD4+ > 200 células/microlitro e carga viral do HIV indetectável).
Após o tratamento da criptococose, é fundamental manter fluconazol 200 mg/dia por no mínimo 12 meses como profilaxia secundária para prevenir recaídas. A suspensão da profilaxia só é considerada segura se:
- O paciente está assintomático,
- Com carga viral indetectável,
- E contagem de CD4 ≥ 200 células/mm³ sustentada por pelo menos 6 meses com TARV eficaz.
Fluconazol 200 mg/dia VO.
Seguimento
O seguimento inclui reavaliações clínicas e laboratoriais periódicas para monitorar a resposta ao tratamento e detectar possíveis recidivas. A alta hospitalar pode ocorrer após conclusão da fase de indução com melhora clínica e controle da hipertensão intracraniana. A falha terapêutica é suspeitada diante de persistência de sintomas neurológicos, culturas positivas após 2 semanas de tratamento ou agravamento dos sinais. A cura é definida por resolução clínica completa, culturas negativas e manutenção da imunidade restaurada (CD4 > 200 por 6 meses).
📚 Referências Bibliográficas
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- Pappalardo, M. C. S., & Melhem, M. S. C. (2003). Criptococose: Revisão da experiência brasileira sobre a doença. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 45(6), 1-5. https://www.scielo.br/j/rimtsp/a/sW73BN3xJ3GjJBVsFThtz3C/
- Lima, A., Silva, R. C., Silva, L. L., & Souza, L. C. (2023). Criptococose: Revisão de literatura. Scientific Electronic Archives (SEA), 16(9). https://sea.ufr.edu.br/index.php/SEA/article/download/1787/1817
